O narcotráfico como negócio de Estado

O narcotráfico era uma questão que incomodava Hugo Chávez, mas a justificativa “moral” para o seu uso foi-lhe ensinada por Fidel Castro. Em uma visita a Havana, Chávez confidenciou para Fidel que estava disposto a dar suporte para à causa das FARC da Colômbia.[1] Porém, estava preocupado com o inconveniente do tráfico de cocaína. Sem qualquer dúvida, Fidel Castro corrigiu seu pupilo no mesmo instante e, explicou calmamente para ele que este ponto não era uma fraqueza, mas sim um instrumento na luta revolucionária contra o imperialismo. De forma didática convenceu Hugo Chávez de que oferecer apoio total aos colombianos, obrigaria os EUA a aumentar o gasto de dinheiro com a repressão e com os tratamentos de viciados dentro do país.

A facilidade de Fidel em explicar e justificar este apoio para Chávez, tem uma justificativa simples: desde os anos 1980 ele já estava envolvido no negócio de tráfico de drogas, chegando inclusive a ter reuniões com Pablo Escobar em território Cubano.[2]

Nos anos seguintes, um lucrativo negócio envolvendo os ideais revolucionários de desestabilização de seus inimigos e o faturamento para financiamento de grupos guerrilheiros e Estados foi posto em prática. As FARC, segundo um estudo do governo colombiano durante as negociações de paz com os guerrilheiros, possuíam ativos no valor de 33 trilhões de pesos, o equivalente a 10,5 bilhões de dólares em 2012. Os analistas financeiros acreditam que grande parte do acervo das FARC, suas origens criminosas disfarçadas, é investido dentro da própria Colômbia, em empresas de transportes, propriedades rurais e no mercado de ações. Alguns ativos provavelmente foram escondidos no exterior, como na Costa Rica, Venezuela, Equador e Panamá.[3]

No lado venezuelano, foi criado o Cartel dos Sóis, nome que faz referência às estrelas dos generais do exército venezuelano, principais agentes do cartel. As primeiras evidências internacionais de atuação da organização criminosa vieram à público com provas em 2012, após o desertor chavista, juiz e ex-presidente da área penal da Corte Suprema Venezuelana, Eladio Ramón Aponte, fugir para a Costa Rica e passar a cooperar com a DEA dos EUA.

Aponte reconheceu e apresentou provas de sua participação em manipulações de sentenças que remontavam pelo menos à 2005, envolvendo crimes cometidos em operações do cartel dentro da Venezuela. No ano de 2010, o traficante de drogas Walid Makled García foi preso na Colômbia e teve sua extradição disputada por EUA e Venezuela, acabou sendo extraditado para o regime chavista, onde passou a cumprir pena na chamada “prisão hotel” da SEBIN.[4] Makled foi quem entregou o envolvimento de Eladio Ramón Aponte, acusando o magistrado de receber propina de 70 mil dólares mensais do Cartel dos Sóis. Aponte percebeu que estava envolvido em uma trama de expurgo público do regime e isto fez com que fugisse.

Ambos indicaram em seus depoimentos que o Ministro da Defesa da Venezuela, general de brigada Henry de Jesús Rangel Silva; o presidente da Assembléia Nacional, deputado Diosdado Cabello; o vice-ministro de Segurança Interna e direito do Escritório Nacional Antidrogas, Néstor Luis Reverol; o comandante da Quarta Divisão Blindada do Exército, Cliver Alcalá; e o ex-diretor da seção de Inteligência Militar, Hugo “El Pollo” Carvajal, formavam o coração da organização criminosa no Narco-Estado Venezuelano.

Outro desertor chavista, chamado Leamsy Salazar, capitão de corveta da Marinha Venezuelana e guarda costas pessoal de Hugo Chávez por dez anos, após também perceber que seria vítima de um expurgo, fugiu aproveitando-se do pretexto de sua lua-de-mel por diversos países da América Latina. Em fuga, prevendo que ainda poderia ser pego, conseguiu sair do continente e ir para a Espanha, onde conseguiu acordo com a DEA. Leamsy estava sendo cassado por espiões chavistas e, acredita-se, com suporte de espiões russos dentro da Espanha. Em solo americano ele prestou sua denúncia: acusou Diosdado Cabello de chefiar o Cartel dos Sóis.[5]

A partir do regime chavista, a Venezuela passou a ser responsável pelo escoamento de algo em torno de 90% de toda a droga produzida na Colômbia. Salazar também indicou para as autoridades americanas o local onde os chavistas armazenavam montanhas de dólares e demostrou como a PDVSA, a gigante estatal petrolífera, havia se transformado em intermediária das operações de tráfico do Cartel dos Sóis. As cargas de drogas eram embarcadas em aviões da PDVSA, sob a supervisão de militares e funcionários da embaixada Cubana, na maioria das vezes o itinerário tinha como destino Havana.

Em junho de 2015, Diosdado Cabello foi recebido por Luiz Inácio Lula da Silva no “Instituto Lula” e também visitaram a planta de processamento de frango do frigorífico JBS (JBSS3), no interior paulista, recepcionados por ninguém menos que o presidente do conselho da empresa, Joesley Batista.[6] Nesta mesma visita ao Brasil, sem comunicação prévia ao Itamaraty, Cabello furou a agenda das mais altas autoridades políticas do Brasil e reuniu-se com Dilma Rousseff, o então vice-presidente Michel Temer e o, à época, presidente do congresso nacional Renan Calheiros.[7]

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[1] É uma organização paramilitar de inspiração comunista, autoproclamada guerrilha revolucionária marxista-leninista, que opera mediante táticas de guerrilha. Lutam pela implantação do socialismo na Colômbia e defendem o direito dos presos colombianos.

[2] Leonardo Coutinho, Hugo Chávez: O Espectro, Editora Vestígio, 2018, pp. 53–59

[3] https://www.economist.com/the-americas/2016/04/14/unfunny-money

[4] O Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, é a principal agência de inteligência na Venezuela. Ela foi criada em março de 1969 com o nome de DISIP, a Dirección Nacional de los Servicios de Inteligencia y Prevención, pelo então presidente Rafael Caldera, substituindo a Dirección General de Polícia (DIGEPOL). A SEBIN é uma força de segurança interna subordinada ao Ministério do Poder Popular para o Interior, Justiça e Paz.

[5] Em 2022, por conta da invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin, aliado do regime chavista, Diosdado Cabello que agora é o primeiro vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela, veio a público dizer que “Quanto mais o tempo passar, pior para a Ucrânia, porque a desnazificação será a raiz [e] alguém disse: por que não aproveitam a decocainização da Colômbia para ver o que resta?”.

[6] https://www.infomoney.com.br/politica/braco-forte-do-chavismo–na-venezuela-visita-lula-e-jbs-em-sao-paulo/

[7] m.folha.uol.com.br/mundo/2015/06/1641905-dilma-reune-se-com-presidente-do-legislativo-da-venezuela.shtml

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